Eis‑me aqui viva, mera mortal, filosofando sobre a vida,
sobre Deus, sobre a crise mundial. Vem‑me à cabeça minha herança e lembro de
mim criança, depois adolescente e assim como todos, carente. Muito antes que
depois fui mutante, mulher e amante. Eis‑me aqui perdida no futuro do presente,
neste mundinho esquisitão, sobrevivente da bobalização. Meio insatisfeita sou a
sujeita do verbo ser star, estrela perdida no índigo do céu, pés no chão,
cabeça na lua, coração ao leo. Homens não sabem como dizer adeus, mulheres não
sabem quando. Posso resistir a tudo, menos à tentação, e descobri que sou quem
eu estava esperando. Eis‑me aqui dia seguinte profissa, espreguiça, lava a
cara, escova dente e cabelo, dá uma piscada pro espelho e parte pra rotina de
dar bons‑dias. Trabalho como se não precisasse do dinheiro, danço como se
ninguém estivesse me olhando e perdoo meus inimigos, nada os deixa mais putos.
É uma pena que estupidez não cause dor. Eis‑me aqui caidaça no meio da naite,
birinaite, cachaça, me levo pra casa depois de muito blá‑blá‑blá, chego e ainda
como um resto de pizza com guaraná. Dou um suspiro, respiro, me inspiro e piro
na maionese de mim mesma, esta lesma lerda que não sabe por que caiu, nem onde
escorregou. Eis‑me aqui confusa, uma estúpida com raros momentos de lucidez,
minha consciência limpa é sinal de memória fraca, um boato que entra pelo
ouvido e sai por muitas bocas, depois eu é que sou louca. Tusso na frente de um
fumante para ele se sentir culpado, depois queimo meu baseado na calada da noite,
lá fora o frio é um açoite, então fecho os olhos, não se preocupe comigo, eu
apenas estou morrendo. Ei‑me aqui odiando o amor, me abrace por favor, chego à
conclusão de que talvez esteja errada, na esperança nada permanece, só a
mudança. Estranhos são amigos esperando eu os encontrar, hay mucho que hacer,
calo a boca e sorrio, seria engraçado se não tivesse acontecido comigo. Eis‑me
aqui na mesmice, nunca vou perdoar as palavras que não disse, não tenho
preconceito, neste mundo odeio tudo igualmente e quando não consigo convencer
eu confundo, melhor te amar, se tenho medo da solidão melhor não me casar. Eis‑me
aqui bem‑amada, Houston, we have a problem, minha namorada é homem, sou o
oposto da puta porque estou pouco me fodendo, não estou podendo tanto assim, ai
de mim que não sei se acendo uma vela ou se xingo a escuridão, ando tão sem
tempo de tanto assistir televisão. Eis‑me aqui falada, mal‑bem‑amada, o vestido
mais bonito uso para ser despido, a vida é tão tranquila que devia emitir
atestado de óbito, é óbvio que uma das coisas que me dão mais prazer é fazer o
que não devo, vou comer e aproveitar até a última mastigada. Eis‑me aqui me
despedindo de mim depois de vomitar a alma, felicidade é a minha direção não
meu destino, me peça para ter calma, antes de rezar vou me perdoar, antes de
desistir vou tentar, antes de falar vou escutar. Eis‑me aqui renascendo, sendo
mais eu do que jamais fui, de que me adianta falar bem se estou errada no que
digo, não me ofereça sua sabedoria, me dê apenas um copo d’água, uma fatia de
pão e um pouco de circo. Só não posso viver com quem não consegue conviver
comigo, nessas eu tive foi sorte. E se você não salvou minha vida, pelo menos
não arruíne minha morte.
Rita Lee
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