Somente os pássaros engaiolados são dignos de confiança. Pássaros engaiolados não fogem. Mas, ao se engaiolar o pássaro, perde-se a beleza do seu voo, que era o que se amava.
Pássaros engaiolados transformam-se em patos gordos. Patos gordos são dignos de confiança: nem podem nem querem voar. Os espaços vazios não os fascinam. Nunca olham para cima, só para baixo. Nem sabem da existência do céu. Já os pintassilgos são indignos de confiança. Sabem voar. Basta que a porta da gaiola se abra para que voem.
Mais fundamental que o amor é a liberdade. A liberdade é o alimento do amor. O amor é pássaro que não vive em gaiola. Basta engaiolá-lo para que ele morra. Ter ciúme é reconhecer a liberdade do amor.
O desejo de liberdade é mais forte que a paixão. Pássaro, eu não amaria quem me cortasse as asas. Barco, eu não amaria quem me amarrasse no cais.
Jogo de amor
Há quem pense que o objetivo do jogo amoroso é o orgasmo. Outros pensam que é a fecundação. Os amantes sabem diferente. Sabem que o objetivo do jogo amoroso é ele mesmo, o prazer e a alegria de estar brincando.
A conversa é uma metáfora dos jogos amorosos. Quem não sabe conversar não sabe transar.
Casais, brigando, estão jogando tênis: o que um deseja é dar uma cortada, e tirar o outro da jogada. Casais que estão amando jogam frescobol. O que importa é ir e vir, ir e vir, ir e vir, sem fim...
Quem está feliz com a segurança é porque deixou de amar. Somente as pessoas que deixaram de amar se contentam com a segurança. Quem ama ouve sempre a sedução do vento...
Contrato
Talvez o amor não passe de uma deliciosa ilusão que se realiza em momentos sagrados, raros. Não pode ser capturado. Um casamento que se baseasse no amor teria que ser efêmero. Por isso o casamento não se baseia no amor. Ele se baseia num contrato selado por promessas e confirmado por testemunhas.
Observe os casais nos restaurantes. Pela forma como eles conversam durante a refeição você pode concluir sobre a relação. Se conversam e riem, é porque o amor está vivo. Se comem olhando para o prato e em silêncio, é porque o amor está estragado.
Aqui abrem-se as possibilidades. Primeira: uma das partes – ou as duas – encontrou um novo amor e se entregou a ele. Nesse caso, é (ou não) infiel e uma relação formal apodrecida, e fiel a uma nova relação amorosa. Segunda: os dois vão ser pelo resto da vida fiéis às promessas e ao contrato, olhando para o prato enquanto comem, sem rir e conversar. Na sua lápide se escreverá: “Foram fiéis a vida inteira...”.
Arte de fazer amor
Aqueles que se dedicam à sutil e deliciosa arte de fazer amor com a boca e o ouvido (esses órgãos sexuais que nunca vi mencionados nos tratados de educação sexual...) podem ter a esperança de que as madrugadas não terminarão com o vento que apaga a vela, mas com o sopro que a faz reacender-se.
Namoro
O namoro tem vida intensa e breve. E é por isso que é tão belo e a sua memória – saudade – mora e dói em nossos corpos. Fica como nostalgia de um amor que deveria durar para sempre. Romeu e Julieta tinham de morrer, para que sua estória dissesse a nossa verdade e quiséssemos sempre ouvi-la de novo. Ah! Como seria bom se fôssemos sempre jovens, puros e ardentes! Então o mundo inteiro seria luminoso e viveríamos a cada dia a promessa da religião: a ressurreição do corpo. Corpos enamorados são corpos ressuscitados.
Há a estória da menina e do pássaro encantado. “Preciso ir”, dizia o pássaro. “Não vá”, respondia a menina, ingênua. E ele respondia: “Vou para que o amor retorne. Você não entende que só sou encantado por causa da saudade?”. O namoro acontece somente na dor da distância, quando os dedos se tocam de leve.
Ilusão
Vento engarrafado não serve para empinar pipas nem faz o cabelo voar... Gota de chuva brilhando em folha de couve a gente só pode olhar e se extasiar. Alguns pensam que o casamento faz o milagre, que é capaz de por a gota de chuva no anel, que ele consegue engaiolar o vento.
Amamos uma pessoa pela poesia que vemos escrita no seu corpo.
Bem dizia Adélia Prado que “erótica é a alma”.
Só o amor não basta
O amor não basta. Dona Baratinha sabia disso e perguntava aos seus pretendentes: “Como é que você faz de noite?”. Mas há outra pergunta tão importante quanto esta, nascida da curiosidade sexual: “Como é que você faz de dia?”.
Espelho
Amamos as pessoas não pela beleza delas, mas pela nossa beleza que aparece refletida nos olhos dela. O que é uma bela pessoa? É aquela em que nos vemos belos.
Somos mendigos de olhares. Olhos são espelhos. Cada encontro é um pedido: “Dize-me, espelho meu, haverá no mundo alguém mais belo que eu?”
FONTE: ALVES, Rubem. Do universo à jabuticaba. Ed. Planeta, SP, 2010, pg. 150/152/153
Amar é inacreditavelmente acreditar.
ResponderExcluirGK