domingo, 2 de dezembro de 2018

o Beijo



Por Jefferson Lessa


"Li outro dia a história de uma moça que foi agredida no Centro por ter sido confundida com uma mulher trans. Ela havia perdido os cabelos por conta da quimioterapia com que tenta debelar um câncer. Isso me lembrou a história da empregada que foi espancada num ponto de ônibus na Barra por ter sido confundida com uma prostituta. O que me lembrou dos irmãos gêmeos que foram massacrados por terem sido confundidos com amantes homossexuais (um deles morreu). O que me trouxe à memória o pai e o filho que apanharam muito por terem sido confundidos com um casal gay.

Fico imaginando a reação que a situação mostrada na foto abaixo causaria por aqui. Tirada em 1967 pelo fotógrafo Rocco Morabito, a imagem mostra o eletricista (?) J.D. Thompson fazendo respiração boca-a-boca no colega Randall G. Champion, que havia desmaiado após tocar num fio de baixa tensão em Jacksonville, Flórida. O rapaz insistiu na ressuscitação até sentir um pouco de pulso. Então, desamarrou Champion do equipamento de segurança, desceu com ele pendurado no ombro e, com outro colega, fez massagem cardíaca até a chegada dos paramédicos. Champion viveu por mais 34 anos.

A foto, chamada "O beijo da vida", recebeu o prêmio Pullitzer de 1968. Foi tirada por acaso, por sorte (do fotógrafo, obviamente). Morabito seguia pela estrada quando viu os homens trabalhando no poste. Pensou que poderia fotografá-los na volta, mas ouviu gritos. Quando olhou para trás, viu um dos caras pendurado. Resolveu parar e fotografar. O resultado foi a foto famosa e um dos prêmios mais importantes do jornalismo mundial.

No Brasil rasteiro, trevoso, pequeno e vulgar de hoje, Thompson e Champion correriam o risco de serem "confundidos" com duas "bichonas" e morrerem apedrejados.
(O primeiro que disser "Não é bem assim" ganha um ingresso para a próxima palestra do Olavo de Carvalho.)"

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Reflexões advindas da escola Waldorf

"Atualmente Micael nos convida uma reflexão sobre o tempo presente suas demandas exigências e nossa possibilidade de fazer frente a elas. Sygmunt Balman, sociólogo polonês e um dos pensadores mais lúcidos na identificação das características de nossa época reconhece que vivemos um momento de flexibilização das estruturas sociais e de uma consequente liberdade nunca vista antes na história da humanidade. Com a liberdade de escolher, consumir, mudar de emprego, de conjugue, de profissão, de marca de celular, e etc... surgiu também uma incrível insegurança que aparece tanto no âmbito social quanto no individual.Nada mais é certo e não podemos prever em uma sociedade onde os valores mudam tão rapidamente a consequência de nossas escolhas. Ao invés do sentimento de satisfação pela possibilidade de optar, sentimos medo e angústia diante do incerto e do inesperado.As respostas que Balman observa para esse fenômeno não são tão variadas. Uma tentativa de responder a essa angústia existencial é com o consumo excessivo de objetos desnecessários, por um lado e, por outro, o fortalecimento das religiões fundamentalistas e o ressurgimento do fascismo. De fato podemos constatar um ressurgimento do fundamentalismo em todas suas formas políticas, ou religiosas.Os avanços tecnológicas e um certo “discurso científico” nos oferecem uma sensação de segurança fictícia. Vivemos com um conforto físico nunca antes imaginado por nossos antepassados. Temos acesso a informações em questões de segundos, podemos prever o tempo, viajar lugares distantes, a medicina nos promete um prolongamento da existência e o tratamento ou a erradicação das mais diferentes doenças. Ao mesmo tempo em que, de maneira insidiosa, o medo e a insegurança vivem em nosso interior, do ponto de vista externo somos iludidos por uma aparente possibilidade de controlar todas as variáveis, de poder escolher e decidir. É interessante, nesta época de Micael, refletir sobre a origem da crença religiosa. Em um texto muito interessante publicado na Folha de São Paulo no dia 29/2/2016,  Luiz Felipe Ponde (autor com quem frequentemente não concordo) discorre sobre a importância do sentimento de dependência da vida humana em relação ao infinito, do reconhecimento de que em relação aos aspectos fundamentais da vida humana, estamos impotentes. A necessidade de amor, o desejo de manutenção da vida nossa e de nossos entes queridos, a precariedade de nossa saúde, o medo da solidão são aspectos existenciais da vida humana imunes a nossa ilusão onipotente. Não podemos -embora tentemos muito - garantir o amor de outro ser humano, o prolongamento da vida de um doente ou de nossa própria existência. Fazemos um pouco, o que podemos e, de resto temos que cultivar a confiança de que se a má sorte ou um destino adverso nos abater, seremos capazes de dar à este acontecimento um sentido de integrar essa experiência dolorosa em nossa vida. É característica de nosso tempo a perda, cada vez maior, da consciência de nossa impotência diante do desconhecido, inesperado. Precisamos porém adquirir confiança de que os eventos e tarefas que a vida nos traz podem e devem ganhar sentido, se trabalharmos para isso. Não se trata da crença de que tudo dará certo no final, ou de que, a existência deve transcorrer sem nos impor desafios excessivos, mas de confiar que seremos capazes de transformar o que de difícil a vida possa nos trazer em algo significativo para nós e para a comunidade. A confiança parece estar profundamente ligada a verdadeira religiosidade." 
Florência Guglielmo