sexta-feira, 24 de abril de 2015

Contratos familiares: códigos que nos impedem de ser o que somos


Estes “códigos” estão situados no mais profundo de nossas mentes em forma de crenças e de todo tipo de inibições que nos paralisam.
Um contrato é um acordo entre duas partes que se comprometem a dar algo e a receber algo em troca. Mas nem todos os contratos estão no papel, nem sequer são verbalizados, nem tão pouco todos estão no plano da consciência. Ainda mais, como no caso do nome, há contratos que aceitamos em desigualdade de condições porque se “selam” na mais tenra infância: a criança intui que o descumprimento implica em não ser querido, o que significa a morte. Nosso cérebro mais primitivo nos dita a ordem de obedecer quando a ameaça é ser expulso de um clã familiar.
Estes contratos podem afetar nossos quatro egos:

Exemplos de contratos intelectuais:

Muitas crenças que temos são contratos que mantemos com nossa árvore genealógica, ideias que nos foram transmitindo desde nossos bisavós e que não podemos questionar. (Devemos nos desfazer que qualquer crença que não seja bela e útil)

a) “Será advogado, como os homens de bem dessa família”
(Em árvores onde o artista é considerado como um morto de fome, que na realidade não sabe fazer nada)

b) “Nessa casa se fala português”
(Não me venha querer estudar línguas... você só precisa falar a língua materna)

c) “Você é tonto como sua mãe”
(Uma profecia que atua como uma maldição que acaba se cumprindo...)

d) “Na vida devemos deixar as coisas iguais como nós as encontramos”
(Sinal evidente de que a árvore está estagnada...)

e) “Um filho nunca deve superar seu pai”
(Uma loucura absoluta que se conecta com a neurose de fracasso)

Os contratos intelectuais são como as “ideias irracionais” que descreve Albert Ellis, raízes de nossas emoções perturbadas e comportamentos desajustados. A psicogenealogia conecta com sua famosa e em muitos casos efetiva RET (Terapia Racional Emotiva), no sentido de que a família configura um esquema de crenças tóxicas que nós adotamos por lealdade a ela e que se movem em quatro eixos fundamentais:

*Se você não tem o que necessita, morre (“Se meu namorado me deixa, morro”)
A herança tóxica é confundir a necessidade com o desejo. Se não tenho alimento, morro, mas se desejo um namorado e não tenho, sigo vivendo...

*Isto é horrível (“É horrível que tenha que cancelar minhas férias”)
Se julga em excesso. Não há nada categoricamente mal ou bom. Há situações que nos causam mais ou menos dor. Se ordenarmos as situações dolorosas de 0 a 10 e no 10 colocarmos a morte de um ser querido, como valorizaremos cancelar as férias?

*Não suporto (“Não suporto a solidão”)
As situações que matam, são insuportáveis. Acreditar que algo é o limite entre a vida e a morte nos faz sentirmos agonizantes cada vez que isso acontece. Isso nos leva a preferir um desastre de relação amorosa, a solidão está proibida pela árvore, porque significa aproximar-se da morte.

*Se acontece algo ruim sempre há um culpado e ele tem que ser condenado
A família nos ensina a julgar e buscar culpados para descarregar a responsabilidade do que aconteceu, ao invés de responsabilizarmos nós mesmos. Os acontecimentos são uma confluência de fatores, nada tem uma única causa. Se nos sentimos culpados de algo, a melhor medicina é uma fórmula com três elementos: aceitação, reparação e aprendizado do que aconteceu para evitar repetir o mesmo erro no futuro.

Exemplos de contratos emocionais:

a) Não cresça
(Se você crescer irá abandonar seus pais. Essa ordem o manterá com uma idade emocional de 10 anos para o resto da vida)

b) Aqui somos “palmeirenses”
(Desde o primeiro mês de vida o bebe é sócio do clube. Quando cresce não tem alternativa, se não gosta de futebol ou não é palmeirense, será considerado um traidor ou um doente)

c) “Não seja tonto e não tenha namorada”
(Fique com a mamãe... ela não vai te desapontar)

d) “um casal é para toda a vida”
(Ninguém se divorciará jamais, em nossa família todos são muito católicos)

Os contratos emocionais nos atam com força ao passado e fomentam as relações baseadas na dependência emocional. Dissolver esses contratos é abrir finalmente a porta da liberdade de amar com um nível de consciência superior.

Exemplos de contratos libidinais

Aqui estão todas as inibições criativas e sexuais

a)” O teatro, a pintura e a música são uma perda de tempo”
(É como dizer que não se deve dedicar a coisas que não são de proveito...)

b)”Esta relação não me convém”
(Poderíamos nos perguntar: em realidade, a quem não convém?)

c) “Você se casará aos 25 anos e aos 26 terá sua única filha”
Este poderia ser um contrato inconsciente que se repete de geração em geração. Um projeto que a árvore tem para nós

d) “A mulher que expressa desejo sexual é uma fulana”
(Se o sexo da mulher é só um instrumento de procriação,  se a proíbem de gozar com sua energia libidinal e finalmente da criação e da vida)

A proibição da homossexualidade e as práticas sexuais não existentes no repertório da árvore, também são contratos que no descumprimento nos bloqueiam a libido ou nos fazem sentir culpados e merecedores de castigos se “sairmos do armário”.

Exemplos de contratos materiais-corporais-econômicos:

As inibições econômicas. É necessário que encontremos os elementos que permitem separarmos a violência, o medo e a culpabilidade.

a) ”Você é idêntico ao seu avô”
(E com isso uma das linhagens toma posse do filho)

b) “Não toque nos botões que quebrará"
(Quando não te deixam tocar em nada é porque você não tem espaço)

c) “O dinheiro é pecado”
(Se nos fazem acreditar que o dinheiro é sujo, nos gerará muita culpa ganhá-lo)

d) “o que arisca perde”, “Mais vale um pássaro na mão do que cem voando”, “Mais vale um mal conhecido do que um bem por conhecer...”
(Sair do território é uma deslealdade imperdoável e temos um medo ancestral de não voltar a sermos admitidos no clã)

Tudo isso nos faz acomodar em um relacionamento que já não contribui em nada, um trabalho insatisfatório, uma casa que não é um lar e também uma cidade, um grupo de amigos, etc. Instalados em um território para sempre, porque nos ensinaram que arriscar é perder tudo, em lugar de seguir nossos desejos como sábio caminho de transformação.

Os contratos se cumprem por lealdade, mas também pelo temor das consequências. Digamos que há um medo de ser castigado, que se cumpram essas previsões (maldições): “Se você se divorcia, falarão mal de você”, “se for um artista, viverá na pobreza”. Um ato psicomágico para curar esse tipo de medo do descumprimento ao que os pais ordenaram, consistiria em realizar metaforicamente a previsão, encenando para eles.

Alejandro Jodorowsky nos diz em uma de suas dez receitas para ser feliz: “ Não há alivio maior que começar a ser o que na verdade somos”. Desde a infância nos impõem destinos a fora. É conveniente recordar que não estamos no mundo para realizar os sonhos de nossos pais, mas os nossos próprios sonhos.

Via http://planosinfin.com/contratos-familiares-codigos-que-nos-impiden-ser-lo-que-somos-alejandro-jodorowsky/

Tradução: Jennifer Giusti