Na tradição fenomenológico-existencial refletimos muitas
vezes sobre a frase: “a existência precede a essência”. Mas talvez hoje, mais
do que reconhecer a inexistência de uma essência fixa, possamos voltar o olhar
para o desejo que nos move. Podemos perguntar: por que o ser humano busca tanto
uma essência? De onde vem esse desejo por algo que o defina, o contenha, o
segure?
A imagem que vemos aqui, múltiplos corpos entrelaçados, sobrepostos, em
transição, expressa esse drama: o conflito entre o desejo de ser algo sólido e
a vivência real de ser fluxo. Há um movimento interno, quase líquido, entre
nascimento, tensão, dor, entrega. Nada está parado. Nada é uma coisa só. Ainda
assim, buscamos uma ideia de “quem eu sou”, como se fosse possível conter o
oceano em um pote.
Mas e se não for uma essência que nos liberta, e sim a habilidade de navegar? A
abertura à mudança. A confiança na transformação. A fé, não no sentido
dogmático, mas como gesto existencial: um confiar no porvir sem precisar
controlá-lo.
Fluir com a vida é um trabalho. Um trabalho de escuta, de tolerância à
incerteza, de presença no agora. E isso, talvez, seja mais terapêutico do que
encontrar um “eu verdadeiro” escondido atrás das camadas. Talvez, nossa saúde
esteja menos em descobrir “quem somos” e mais em nos permitir ser atravessados
pelas experiências, e nos refazer, com leveza e coragem.
O ser humano busca uma essência, muitas vezes, por medo da instabilidade. Mas
paradoxalmente, é a aceitação amorosa da instabilidade que mais nos fortalece.
A imagem mostra: somos processo. Somos corpo em movimento. Somos camadas que se
desfazem e se redesenham. E talvez, só talvez, essa seja a única essência que
vale a pena reconhecer, a do viver como presença em mutação.