quinta-feira, 22 de agosto de 2019

a resposta está dentro

Gostaria de escrever algumas palavras sobre o medo de realizar algo que julgo ser importante, o medo da realização.
Antes de começar a escrever essas palavras pude me aproximar dessa sensação.

Será que serei capaz de expressar o que quero dizer? Ou melhor, será que tenho algo que valha a pena ser dito? Será que minhas palavras poderão me auxiliar no meu caminho?
Eu não posso saber se eu não tentar...
Antes de começar a falar do medo, estou buscando compreender o significado do termo “realização”. A principio olhando superficialmente, ela poderia ser a sensação de dever cumprido, também poderia ser a concretização do que se espera ou do que se obtém com muito esforço.
Normalmente ela esta associada com algo grandioso, valorizado pelas pessoas, como, por exemplo, ter bens de consumo, poder aquisitivo.
Também está associado a um grande feito, um ato heróico, e por conseqüência a obtenção de mérito.
Olhando mais atentamente, a “realização” é a própria vivência de cada pessoa, algo que se está construindo e por isso é único para cada um.
Mas o que estou chamando de “realização” é algo de ordem interna que se estende para o externo, seria a determinação e a coragem de buscar dentro de si a própria e verdadeira motivação de viver e colocar isso em prática.
Essa atitude necessária exige disposição, é preciso buscar a própria verdade para se obter as devidas respostas e então partir para o plano prático, a realização.
A realização necessita de preparo, de conhecimento prévio, de um projeto, um objetivo, uma meta e trabalho.
O êxito é ou não a conseqüência da realização, apenas uma de suas etapas.
O despreparo pode ser um dos motivos que levam ao medo e a insegurança.
Porém, sentir medo por sentir-se despreparado mostra uma falha de percepção, porque realização implica preparar-se, porque se já estivesse pronto não precisaria ser realizado. Isso em si já é a própria realização.
Ocorre que a falta de confiança em si mesmo pode gerar um sentimento de despreparo e de incapacidade. Quem não confia em si, é porque não se conhece, é porque ainda não reconheceu o seu potencial. E para se conhecer, é preciso se experimentar, é preciso se provar, é preciso realizar.
Penso que os sonhos devem estar pautados nos atos, na forma prática, e alicerçados na autoconfiança que o individuo tem em sua capacidade de realização.

Alegria

"Freud disse que são duas as fomes que moram no corpo. A primeira fome é a fome de conhecer o mundo em que vivemos. Queremos conhecer o mundo para sobreviver. Se não tivéssemos conhecimento do mundo à nossa volta, saltaríamos pelas janelas dos edifícios, ignorando a força da gravidade e poríamos a mão no fogo, por não saber que o fogo queima.

A segunda fome é a fome do prazer. Tudo o que vive busca o prazer. O melhor exemplo dessa fome é o desejo do prazer sexual. Temos fome de sexo porque é gostoso. Se não fosse gostoso, ninguém procuraria e, como conseqüência, a raça humana acabaria. O desejo do prazer seduz.

Gostaria de poder ter tido uma conversa com ele sobre as fomes, porque eu acredito que há uma terceira: a fome de alegria.

Antigamente eu pensava que prazer e alegria eram a mesma coisa. Não são. È possível ter um prazer triste. A amante de Tomas do livro A Insustentável Leveza do Ser, lamentava-se: “ Não quero prazer, quero alegria!”

As diferenças. Para haver prazer é preciso primeiro que haja um objeto que dê prazer: um caqui, uma taça de vinho, uma pessoa a quem beijar, mas a fome de prazer logo se satisfaz. Quanto caquis conseguimos comer? Quantas taças de vinho conseguimos beber? Quantos beijos conseguimos suportar? Chega um momento em que se diz: “Não quero mais. Não tenho mais fome de prazer...”

A fome de alegria é diferente. Primeiro, ela não precisa de objeto. Por vezes, basta uma memória. Fico alegre só de pensar num momento de felicidade que já passou. E, em segundo lugar, a fome de alegria jamais diz: “ Chega de alegria. Não quero mais...” A fome de alegria é insaciável.

Bernardo Soares disse que não vemos o que vemos, vemos o que somos. Se estamos alegres, nossa alegria se projeta sobre o mundo e ele fica alegre e brincalhão. Acho que Alberto Caeiro estava alegre ao escrever este poema: “ As bolas de sabão que esta criança se entretêm a largar de uma palhinha são translucidamente uma filosofia toda. Claras, inúteis, passageiras, amigas dos olhos, são aquilo que são... Algumas mal se vêem no ar lúcido. São como a brisa que passa... E que só sabemos que passa porque qualquer cousa se aligeira em nós...”

A alegria não é um estado constante – bolas de sabão. Ela acontece subitamente. Guimarães Rosa disse que a alegria só acontece em raros momentos de distração. Não se sabe o que fazer para produzi-la. Mas basta que ela brilhe de vez em quando para que o mundo fique leve e luminoso. Quando se tem alegria, a gente diz: “Por esse momento de alegria valeu a pena o Universo ter sido criado”.

Fui terapeuta por vários anos. Ouvi sofrimentos de muitas pessoas, cada um de um jeito. Mas por detrás de todas as queixas havia um único desejo: alegria. Quem tem alegria está em paz com o Universo, sente que a vida faz sentido.

Norman Brown observou que perdemos a alegria por haver perdido a simplicidade de viver que há nos animais. Minha cadela Lola está sempre alegre por quase nada. Sei disso porque ela sorri à toa. Sorri com o rabo.

Mas, de vez em quando, por razões que não se entende bem, a luz da alegria se apaga. O mundo inteiro fica sombrio e pesado. Vem a tristeza. As linhas do rosto ficam verticais, dominadas pelas forças do peso que fazem afundar. Os sentidos se tornam indiferentes a tudo. O mundo se torna uma pasta pegajosa e escura. É a depressão. O que o deprimido deseja é perder a consciência de tudo para parar de sofrer. E vem o desejo do grande sono sem retorno.

Antigamente, sem saber o que fazer, os médicos prescreviam viagens, achando que cenários novos seriam uma boa distração da tristeza. Eles não sabiam que é inútil viajar para outros lugares se não conseguimos desembarcar de nós mesmos. Os tolos tentam consolar. Argumentam apontando para as razões para estar alegre: o mundo é tão bonito... Isso só contribui para aumentar a tristeza. As músicas doem. Os poemas fazem chorar. A TV irrita. Mas o mais insuportável de tudo são os risos dos outros que mostram que o deprimido está num purgatório do qual não vê saída. Nada vale a pena.

E uma sensação física estranha faz morada no peito, como se um polvo o apertasse. Ou esse aperto seria produzido por um vácuo interior? É Thanatos fazendo o seu trabalho. Porque quando a alegria se vai ela entra...Os médicos dizem que a alegria e a depressão são formas sensíveis que tomam os equilíbrios e os desequilíbrios da química que controla o corpo. Que coisa mais curiosa: que a alegria e a tristeza sejam máscaras da química! O corpo é muito misterioso...

Ai, de repente, sem anunciar, ao acordar de manhã, percebe-se que o mundo está de novo colorido e cheio de bolhas translúcidas de sabão... A alegria voltou!

Rubem Alves