sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Navegar a vida: entre o desejo de definição e a liberdade de fluir

 


Na tradição fenomenológico-existencial refletimos muitas vezes sobre a frase: “a existência precede a essência”. Mas talvez hoje, mais do que reconhecer a inexistência de uma essência fixa, possamos voltar o olhar para o desejo que nos move. Podemos perguntar: por que o ser humano busca tanto uma essência? De onde vem esse desejo por algo que o defina, o contenha, o segure?

A imagem que vemos aqui, múltiplos corpos entrelaçados, sobrepostos, em transição, expressa esse drama: o conflito entre o desejo de ser algo sólido e a vivência real de ser fluxo. Há um movimento interno, quase líquido, entre nascimento, tensão, dor, entrega. Nada está parado. Nada é uma coisa só. Ainda assim, buscamos uma ideia de “quem eu sou”, como se fosse possível conter o oceano em um pote.

Mas e se não for uma essência que nos liberta, e sim a habilidade de navegar? A abertura à mudança. A confiança na transformação. A fé, não no sentido dogmático, mas como gesto existencial: um confiar no porvir sem precisar controlá-lo.

Fluir com a vida é um trabalho. Um trabalho de escuta, de tolerância à incerteza, de presença no agora. E isso, talvez, seja mais terapêutico do que encontrar um “eu verdadeiro” escondido atrás das camadas. Talvez, nossa saúde esteja menos em descobrir “quem somos” e mais em nos permitir ser atravessados pelas experiências, e nos refazer, com leveza e coragem.

O ser humano busca uma essência, muitas vezes, por medo da instabilidade. Mas paradoxalmente, é a aceitação amorosa da instabilidade que mais nos fortalece.

A imagem mostra: somos processo. Somos corpo em movimento. Somos camadas que se desfazem e se redesenham. E talvez, só talvez, essa seja a única essência que vale a pena reconhecer, a do viver como presença em mutação.


terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

O Conto dos Sábios e da Manga

O conto dos sábios e da manga é uma história tradicional que ilustra diferentes formas de conhecimento e experiência. Há várias versões, mas a essência é mais ou menos assim:


O Conto dos Sábios e da Manga


Certa vez, três sábios viajavam juntos quando encontraram uma árvore carregada de mangas maduras. Eles decidiram estudá-la para entender sua natureza.


O primeiro sábio pegou um caderno e começou a descrever a árvore: seu tamanho, a forma das folhas, a textura do tronco e o número de frutos que conseguia contar. Ele acreditava que, catalogando todas as características externas, poderia conhecer a manga completamente.


O segundo sábio pegou uma das mangas e a cortou, analisando sua composição. Ele estudou a casca, a polpa e a semente, tentando entender sua estrutura e propriedades. Ele acreditava que a verdadeira compreensão da manga estava em sua análise detalhada.


O terceiro sábio, sem dizer nada, simplesmente pegou uma manga madura, descascou-a e começou a comê-la. Ele sentiu o gosto doce, a textura macia e a suculência da fruta. Para ele, conhecer a manga significava experimentá-la diretamente.


Após um tempo, os três sábios compartilharam suas conclusões. O primeiro trouxe descrições detalhadas, o segundo explicou a estrutura interna da fruta, mas foi o terceiro quem sorriu e disse:

— Agora eu sei o que é uma manga.


Interpretação Fenomenológica


Esse conto reflete a diferença entre descrever um fenômeno de maneira externa, analisá-lo de forma fragmentada e vivenciá-lo diretamente. A postura fenomenológica se aproxima do terceiro sábio, pois enfatiza a experiência direta do fenômeno, sem reduzi-lo a conceitos prévios ou a uma separação rígida entre sujeito e objeto.


A fenomenologia busca descrever a experiência tal como ela se dá, sem reduzi-la a explicações puramente intelectuais ou científicas. Como no conto, não basta descrever a manga ou analisá-la — é preciso vivenciá-la.


A diferença crucial está no ponto de partida e no modo de descrever.


O primeiro sábio descreve a manga de fora, como um objeto separado dele. Ele cataloga suas características físicas sem se envolver com a experiência de ser afetado pela manga. Sua descrição é externa, analítica e objetiva no sentido tradicional, pois ele se coloca como um observador distanciado.


Já na fenomenologia, descrever significa dar voz à experiência vivida. O fenômeno não é algo externo a ser analisado à distância, mas algo que se apresenta à consciência e é vivido em primeira pessoa. A descrição fenomenológica parte da experiência direta e envolve a forma como algo aparece para quem o vivencia.


Voltando ao conto, o terceiro sábio, ao comer a manga, não apenas a experimenta, mas poderia descrevê-la a partir da sua vivência: a textura na boca, o gosto doce que se espalha, a suculência. Essa descrição não é uma análise objetiva nem uma separação entre sujeito e objeto, mas a expressão do fenômeno tal como ele se manifesta à sua consciência.


Ou seja, a fenomenologia descreve suspendendo interpretações pré-concebidas.  Ela não tenta encaixar a experiência em categorias prévias ou explicações causais. Simplesmente permite que a experiência se apresente em sua plenitude, sem ser filtrada por teorias ou conceitos prévios.


sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Sou Existencialista: Psicoterapeuta - Jennifer Giusti - CRP: 06/114727 ...

Sou Existencialista: Psicoterapeuta - Jennifer Giusti - CRP: 06/114727 ...:   




Meu nome é Jennifer Giusti (Nina), sou psicóloga clínica, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, professora e supervisora clínica na UNIP, com foco na abordagem fenomenológico-existencial. Atuo a há mais de 10 anos como psicoterapeuta de crianças e adolescentes, e na orientação aos pais. Também atuo no atendimento de adultos e casais.
Além de ser psicóloga, sou professora de Yoga, alternando minha rotina entre esses dois trabalhos. Apesar de serem práticas muito diferentes, considero que existe uma relação importante entre esses dois tipos de cuidado.

Como psicoterapeuta me baseio na abordagem fenomenológico-existencial para compreender meus pacientes e como professora de Yoga me fundamento nessa filosofia oriental milenar. Abordagens com origens e bases epistemológicas completamente diferentes, mas que possuem algo muito importante em comum: são práticas de autocuidado que buscam o alívio do sofrimento humano.
Como psicóloga recebo diversos tipos de demandas e me deparo frequentemente com casos em que o Yoga pode ser benéfico, ou ao contrário, como professora de Yoga muitas vezes percebo que a psicoterapia pode ser pertinente para determinado aluno.

Observo também que essas práticas podem se complementar. Por exemplo, na compreensão da fenomenologia-existencial não existe separação entre mente e corpo, o Ser é uma integridade, indissociada, inclusive, do mundo ao seu redor. Por outro lado, a palavra Yoga vem do sânscrito e significa “união”, referindo-se a experiência de união consigo mesmo e com tudo o que existe, que acontece na prática, por meio da vivência.
Aqui o pensamento fenomenológico se aproxima da prática do Yoga e de uma certa forma o Ocidente dialoga com o Oriente.

Em minha pesquisa de mestrado também abordei esses temas na dissertação “A presença no Yoga: um estudo a partir da perspectiva fenomenológico-existencial”, onde me propus a compreender o estado de presença suscitado pela prática do Yoga a partir de uma leitura fenomenológico-existencial.

Deixo aqui algumas reflexões iniciais e espero, num próximo post, falar mais sobre o meu trabalho e essa relação entre fenomenologia e Yoga que acabou acontecendo, mas também de cada tema em particular.